Queria fechar os olhos, deixar o tempo demorar-se, sem que as mensagens chegassem, sem que as preocupações se acumulassem. Gostaria de deixar o barco seguir, sem ter de remar.
As insónias engolem-me as noites, os dias e as vontades. Os dias inquietam-me, as noites devoram-me, de dentro para fora. Os meses prolongam-se sem paragens para tomar fôlego. Só quero fechar os olhos e fingir-me descansar, sem ter medo de não ouvir o despertador ou de não responder aquela mensagem importante. Quero fechar os olhos e adormecer, neste tão largo mundo que me encolhe a cada amanhecer. Quero desaparecer por horas, sem que ninguém me incomode, pois há dias que já não sei o que é de facto, acordar, pois nem os olhos consigo fechar.
Deixo-me levar na correria irrequieta e desinteressante que as pessoas da minha idade levam, sem saberem porque vão e porque querem ir. Deixo-me levar pelo stress de todas, sentindo-me tonta e confusa, entrando em todas as esquinas e não me reconhecendo em nenhuma. Sou dona de mil rostos, que me desconhecem a alma, mas que acalmam os que ao meu redor andam. As pessoas aceitam melhor as mentiras confortáveis da vida adulta, do que as verdades demasiado dolorosas de se ouvir e de se engolir.
A vida adulta faz-nos duvidar de tudo, especialmente, do quanto somos capazes, do quanto temos valor, do quanto vale a pena acordar e tentar de novo. Quero parar de tentar e sentar-me na primeira paragem de autocarro, para me deixar lá ficar, sem vontade de partir ou de agir. Chega de fugir. Acho que estou pronta para dormir.
O mundo é pequenino para quem vive no silêncio de uma madrugada prolongada. As luzes não se movem, os barulhos não chegam, a filha da vizinha já se deitou, o namorado já partiu faz tempo, dentro de uns minutos todos se levantam e eu nem me deitei ainda e já tenho quem me espere.
Vai ficar tudo bem, dizem todos os fracassados do sistema, pois agora é “fixe” dizer-se isso sem se sentir ou acreditar. Não vai melhorar, nem vai desaparecer. Só queria desligar, para assim a mente a sossegar. De que nos vale gritar para um bando de gente surda? De que nos vale pedir ajuda a quem mais foge de si próprio e dos problemas?
Amanhã paro de fugir. Amanhã deixarei o sono levar a melhor de mim. Hoje? Hoje, vou deixar-me estar assim, porque o vazio já faz parte de mim.
2 Comentários
Quando caímos no vazio, acaba por ser mais difícil libertarmo-nos dessa sensação. E de lutarmos contra essa tendência. Até que chegará o momento em que compreenderemos que temos de fazê-lo mesmo, pelo bem da nossa sanidade.
O texto está fantástico, mas tenho de destacar esta frase maravilhosa: «O mundo é pequenino para quem vive no silêncio de uma madrugada prolongada»
Não diria melhor. Oh, obrigada! ?