Em janeiro, completo 2 anos a trabalhar numa biblioteca escolar. Para quem estudou na área de tecnologia, voltar aos livros e à leitura — hábito que há muito perdera —, foi particularmente fácil.
A princípio foi-me difícil ambientar entre 12 estantes, repletas de livros e ainda mais, lidar com miúdos entre os 11-19 anos. À medida que o tempo foi passando e visto que no segundo mês de trabalho, foi-me deixada unicamente a mim, a gerência da biblioteca, desembaracei-me e rendi-me à leitura passados uns meses.
Voltei a ter gosto pela leitura após a leitura d’As Flores na Tempestade e a partir daí, deslumbrei-me com tantas aventuras.
Sou muito feliz a trabalhar com livros.
Mais feliz do que imaginava em 2019, quando comecei na aventura da educação. Adoro receber novos livros, ler as suas sinopses, pensar e organizar, maneiras de os sugerir e incentivar à leitura. Fico perdida durante horas nas estantes, à procura de novas leituras e é gratificante, quando se juntam alunos e me indicam histórias que já leram e adoraram. A troca de opiniões, sobretudo sobre livros é enriquecedora.
Para além disto, ainda tenho a oportunidade de conjugar a tecnologia, com a promoção dos livros e das atividades.
Admito que sou viciada no trabalho. Durante a época do verão, onde temos mais trabalho, estou sempre motivada e com energia para fazer mais e mais. Para mim, não é um sacrifício sair de casa para ir trabalhar, mas sim um prazer. E sou privilegiada por isso, pois nem todos temos a mesma sorte de trabalharmos na área que gostamos. Não poderia pedir mais do que isto, a não ser que lessem mais. E isto sim, é uma luta pela qual luto há 2 anos.
Numa geração que lê por obrigação, quantas são as histórias que ficam por contar?
Cada vez mais, é-nos mais difícil incentivar à leitura não obrigatória. A grande maioria só lê porque é necessário apresentar um livro ou ler sobre ele, ou porque irá sair nos exames nacionais. Mais catastrófico ainda, é na ausência do exemplar que pretendem, terem outros tantos à disposição, envolvendo os mesmos temas e não estarem dispostos a tal.
São tantos os miúdos que auxílio, dando-lhes várias hipóteses, mostrando-lhes livros com temas pertinentes e parecidos aos que estão a lecionar e poucos são os que aceitam as minhas sugestões. Muitos são os que deixam de levar um livro com lições enriquecedoras, visto que há um mais pequeno e “mais fácil de ler”.
Todos são fáceis de ler. Até José Saramago, apesar da sua escrita exuberante, é fácil de ler. O que é imprescindível é o gosto que se tem pela leitura. É a história que nos envolve que importa e não o total de páginas que um exemplar possa ter.
Menos páginas não é sinónimo de ser uma leitura mais fácil, nem menos pertinente; tal como, um livro maior não é igual a enfadonho e mais importante/empolgante.
É revoltante, a forma como as gerações mais novas, classificam um livro pelas páginas e pelas capas.
Não dão oportunidade de lhes fornecermos histórias misteriosas, complexas, encantadoras e também, dolorosas. Leem, porque alguém os pede para tal e só leem, o que lhes é ordenado e lhes é sugerido nos manuais.
Entre um livro de uma edição antiga e um novo, com ilustrações, a escolha é óbvia: ilustrações. Vão ler ou ver desenhos? A história não é importante, mas sim se tem ilustrações!
A verdade mais cruel e crua é que as gerações mais novas não gostam de ler e não vão ler no futuro, porque não lhes foram incutidas a importância de ler o gosto pela leitura. Não há palavra, que mude este estado de mente deprimente e vazio. Para mim, quem não lê, nem gosta de ler é um ser vazio. A magia da leitura deveria ser contagiante, como no meu tempo de criança era, só que já não funciona assim.
Numa sociedade onde se olha mais para o telemóvel do que para o céu ou para as pessoas, é óbvio que os livros não são sequer opções a ponderar. É mais fácil comentar, de mente vazia, a vida dos outros, do que aprender a ser culto e até mais ponderado, humano, lendo um livro.
Todas as histórias têm algo para nos alertar, para nos fazer aprender e felizmente, para sermos melhores pessoas. Ler não deveria ser anormal. Quando, em pleno século XXI, alguém classifica um leitor como um ser diferente, então sabemos que estas gerações e as futuras, estão condenadas ao vazio e à ignorância de serem gente medíocre e banal. Isto, é a pura realidade. O desprezo pela leitura é abismal e cada vez, mais preocupante.
Não é apenas na escola que os alunos devem aprender a ler. Não será numa biblioteca usada por todos, que vamos conseguir fazer com que desenvolvam o gosto por ler. Essa parte deve ser feita em casa, junto dos pais, dos irmãos, da família em geral. Numa família, onde todos estão mais ocupados com a sua vida social on-line, claramente, que não será o adolescente a ter a iniciativa de ler, quando pode jogar e estar no telemóvel.
É nisto, que estas gerações e as próximas vão falhar, pois só educam para serem seres desprezíveis, sem valores e sem cultura.
Estamos num país que, atualmente, não faz muito pela cultura, mas todos nós, enquanto sociedade, podemos mudar isso, alterando hábitos e ensinando os nossos (futuros) filhos, amigos e família. Para mudar uma geração ou até o mundo, primeiro, nós precisamos de mudar. Não vai ser a escola, nem o vosso trabalho. Têm de ser vocês!
Em breve, terei de despedir-me da felicidade que é trabalhar com livros, só que de mim não vão sair os livros. Podem tirar-me os livros, mas nunca o gosto por ler.
4 Comentários
Olá Querida! Realmente tens um emprego de Sonho! Quem me dera a mim ser bibliotecária e realmente deve de ser gratificante quando os alunos fazem esse tipo de Sugestões! <3
http://www.pimentamaisdoce.blogspot.com
É muito bom! Partilharmos entre nós os nossos livros favoritos é fantástico. Infelizmente, não é a minha “área”, para a qual estudei e daqui a nada vou ter de abandonar este lugar incrível. É a vida, feita de ciclos que se abrem e fecham. 😊
O amor pela leitura também se trabalha e depende imenso dos estímulos que vamos recebendo e dos exemplos que vamos observando. E acho que é um processo que cada um abraça ao seu ritmo, porque vão encontrando aquilo que os complementa. Eu rendi-me tarde à literatura, mas percebi a diferença que fez na minha vida. Mas, lá está, foi uma descoberta que aconteceu quando a minha maturidade e predisposição se orientaram nesse sentido.
As ilustrações são de máxima importância e, se atraírem os miúdos, melhor. A partir daí podem dar o salto para outras histórias 🙂
Trabalhar com livros deve ser mesmo uma partilha inexplicável, mas muito, muito gratificante
Pode ser que com a maturidade possam vir a descobrir o mundo incrível da leitura.
Compreendo que as ilustrações são boas, mas não para miúdos de 18 anos que deveriam estar a ler algo para a sua idade, mas lá está, só leem se tiver de ser. É um estímulo que deveria vir de casa e não deveria ser um sacrifício ler qualquer tipo de livro. É uma pena, mas as gerações mais novas vão ir perdendo esse gosto, cada vez mais.